sexta-feira, 9 de julho de 2010

Epidemia de Insatisfação (a.k.a. Crise do Quarto de Vida)

Tá bom, eu bem que tentei minimizar as coisas, tentei fingir que os problemas aparentam ser maiores do que realmente são (e na verdade, são), mas não dá para negar que algo está muito errado. E não é só comigo, é algo que observo com meus amigos mais próximos e no meu círculo de convivência como se fosse uma epidemia de insatisfação. Tal como a cegueira branca de Saramago, a insatisfação com a vida atual toma a visão do infectado, geralmente jovem, e a partir daquele momento, este começa a enxergar tudo em comparação ao que ele esperava ou imaginava ser, é quando aparece a decepção... Não temos os empregos dos sonhos, não somos recompensados ou reconhecidos, apesar de toda preparação acadêmica. Os amigos começam a escassear, você se decepciona com alguns, se surpreende com outros, mas descobre que no final das contas você só pode contar com você mesmo, nos seus melhores dias. Você se distancia da sua família, fisica e psicologicamente, você deixa de ser o filho-de-num-sei-quem e tenta buscar quem é você realmente. Você não consegue engatar três encontros consecutivos com a mesma pessoa, embora ninguém saiba explicar a razão para isso. As horas de um dia não são suficientes para as atividades que temos: acordar-café-trânsito-faculdade/trabalho-almoço-faculdade/trabalho-trânsito-casa-estudo, sem contar o tempo necessário para a academia, pois além de tudo temos a obrigação de sermos saudáveis e adoramos assistir as notícias enquanto corremos na esteira. É a metáfora do homem atual, sempre correndo, mas nunca chegando a lugar nenhum. Durante o dia você experimenta mais emoções que criança em uma loja de sorvetes: tédio, cansaço, alegria, contentamento, fome, raiva, novamente tédio, tédio, tédio, raiva, esperança e cansaço, até chegar às oito horas da noite e você ficar com um nó na garganta ao abrir a geladeira e perceber que você tem que esquentar a sua janta para uma pessoa só. As tecnologias nos fascinam até o ponto de não sabermos como seria a vida se não possuírmos um iPad, ou qualquer outra parafernália fadada a estar obsoleta daqui à um ano, para alimentar os números escandalosos de uma indústria faminta por consumidores ávidos. A tão sonhada independência (principalmente, a financeira) parece tardar a chegar, e quando chega nunca dará conta dos superflúos que precisamos ter para ocupar o tempo (já escasso) da nossa existência vazia. Por quê, por mais que tentemos nos enganar, não há nada mais a ser feito: a juventude romântica já revirou as tumbas de cemitérios para mostrar que a boêmia, os amores impossíveis e a tuberculose deveriam ter ficado nos idos de 1700; os modernistas criaram a nova arte brasileira, mas foram calados pelas Grandes Guerras e pela tensão criada pela Guerra Fria; em outros tempos já pintaram a cara para depor uma ditadura para hoje termos um governo de esquerda que só se elegeu quando contratou um marqueteiro e fantasiou seu candidato com ternos Ricardo Almeida. Hoje temos internet, celular, 900 amigos numa rede de relacionamentos que sequer conhecemos 15% destes, uma pegada humana na Lua e um presidente negro na Casa Branca. O que há mais a ser conquistado? Hollywood nos enganou. Não existe hospital no mundo que tenha Katherine Heigl e Ellen Pompeo como internas. Os crimes, cada vez mais próximos da barbárie e da nossa moradia, não são desvendados pela equipe do C.S.I., no mundo real ainda existe a impunidade. Não existe um episódio de Law & Order que mostre como é bacana ficar 8 horas esperando um carimbo no fórum. Deve ser por isso que fomos tão facilmente infectados pelo germe da insatisfação e da decepção, esperamos demais. O bom de tudo isso é que um dia passa (eu espero): formaturas acontecem, empregos se consolidam, promoções chegam e enquanto isso acontece, você amadurece. Aí, você já estará estabilizado, carro do ano e prestações do imóvel para vencer, então é hora de trocar de crise, pois aí, meu caro, você está envelhecendo...
(Tudo bem que a wikipedia não é lá uma fonte muito confiável, mas a "Quarter-Life Crisis" existe mesmo!)

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